Eu poderia falar muitas coisas sobre Buenos Aires, desde minha experiência em um primeiro musical da Broadway até minha primeira vez fazendo curso de uma língua em um país nativo. Porém, uma das primeiras coisas que lembro que me marcou assim que cheguei lá foi me deparar com a seguinte marcação na calçada:
No dia 24 de março, anualmente acontece a maior manifestação na cidade, o dia da memória por verdade e justiça. Durante o século XX as Forças Armadas interviu na política Argentina seis vezes, sendo a última o golpe de março de 1976, chefiado por Jorge Rafael Videla. Estimam-se cerca de 30 mil pessoas mortas ou desaparecidas, das quais cerca de 400 filhos foram roubados e tiveram suas identidades alteradas. Em busca dessas pessoas, as Mães da Praça de Maio e as Avós da Praça de Maio são organizações criadas em 1977 e que, até hoje, toda quinta-feira, caminham em círculos na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino.
Nesta mesma praça, encontramos um monumento às vítimas da COVID-19.
E espalhados pela cidade, assassinados pela repressão estatal em outros momentos históricos.
Chegando em Santiago, no Chile, nos deparamos com ruas que não nos deixam esquecer do que lá eles chamam de Estalido Social, que começou em outubro de 2019.
Manifestantes começaram a protestar após o aumento do preço da passagem de metrô, tendo conflitos violentos com a polícia. Logo em seguida, o presidente Sebastián Piñera decretou Estado de Emergência e o exército foi para a rua, o que não acontecia desde a ditadura, e até os voos em Santiago foram suspensos.
O Presidente chileno chegou a suspender o aumento da passagem, mas as manifestações continuaram, chegando a 1 milhão de pessoas nas ruas da cidade. Quase 400 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações, pois os policiais miravam nos olhos das pessoas para atirar as balas de borracha e metal.
A violência policial no Chile não é algo novo. Em 2010, em manifestações em defesa da educação pública, um cachorro viralata preto ficou conhecido como Negro Matapacos (paco é gíria para “policial”), pois só latia e atacava policiais, protegendo manifestantes.
Como reflexo do Estalido Social, em Outubro de 2020 aconteceu um plebiscito e 8 em cada 10 votantes defenderam a necessidade de uma nova Constituição para o Chile e que esta deveria ser elaborada por uma Convenção Constitucional formada por membros eleitos por votação popular. Em maio de 2021 a Assembleia Constituinte foi eleita e em maio de 2022 foi finalizado a Nova Constituinte, que passará por um plebiscito para validação por parte da população agora em setembro de 2022.
A Constituição que está até hoje em vigor no Chile é fruto da ditadura de Pinochet, que deu golpe em 1973 no então Presidente eleito, Salvador Allende, e ficou no poder até 1990. Esse golpe é documentado de forma impecável por Patrício Guzmán em A Batalha do Chile.
Durante esse período, estima-se que mais de 3 mil pessoas foram assassinadas e cerca de 40 mil pessoas foram torturadas.
Em dezembro de 2021, Gabriel Boric, uma das lideranças das manifestações de 2019 e antigo militante do movimento estudantil, foi eleito Presidente do Chile, em uma disputa acirrada contra José Antonio Kast, explícito defensor de Pinochet.
Patrício Guzmán, percebendo a dimensão do Estalido Social, trabalhou em sua documentação em Mi País Imaginário, que lançou em 11 de agosto de 2022 no Chile e que estou ansiosíssima para conseguir ver.
Cheguei em Buenos Aires maravilhada com um tanto de coisa e aos poucos coloquei meus pés no chão duro da realidade. Cheguei no Chile assustada com um tanto de coisa e aos poucos me encantei com a força da mudança. Observar as ruas com cuidado nos abre um mundo de complexidade e surpresa, de memória e futuro. Se dispor a ler as ruas é trabalhar os sentidos para as curiosidades sem ter com isso objetivos explícitos, é estar aberta a sentir o desconforto da humanidade exalando pelo concreto.
Me incomoda a ideia de viajar estritamente para ver coisas perfeitamente bonitas e descansar de determinada rotina. Viajo também (e provavelmente principalmente) para aprender sobre outras rotinas, internalizando a poesia do movimento em qualquer contexto. Afinal
Por onde andei
Lugares legais e alguns perrengues porque é a vida.
ARGENTINA - Buenos Aires
A famosa Pizzaria Guerrin é boa, mas a pizza do Los Maestros é espetacular.
O show da Bomba de Tiempo tem mais estrangeiro que argentino por metro quadrado, mas vale a experiência
A Avellaneda é a 25 de março de Buenos Aires
La Paloma e seu choripannn
Feria de San Telmo bem turisteco, mas bem legal também.
Parrilla Peña é o melhor custo e benefício que achamos perto do Centro <3
Dinheiro bem gasto foi o pra ver uma Ópera no grandioso Teatro Colón, que tem uma das melhores acústicas do mundo.
O relativamente pequeno mas imensamente impactante acervo do MALBA
Caldén Soho é pra quem quer comer a melhor entraña (corte de carne que lembra uma mistura de filé mignon com fraldinha) sem deixar seu rim no restaurante (mas ainda pagando um pouco caro).
Ver a versão argentina de Kinky Boots (minha primeira vez presenciando um musical da Broadway!!!) no Teatro Astral, na Avenida Corrientes, foi uma energia de outro mundo.
Adoro seus posts de viagem!!!